Top Sexy

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Por que não nascem crianças em Fernando de Noronha?

Proibição de partos no arquipélago causa indignação em moradores; governo estadual diz que faltam recursos, apesar de arrecadação da ilha com turismo. (Foto: Alan Schvarsberg/BBC)
"É um pesadelo, você acha que nunca vai acabar. É uma sensação horrível você estar dentro de um quarto presa, às vezes sem dinheiro, longe da minha casa e da minha família."
A frase acima não descreve uma experiência de exílio ou na prisão, mas a espera da noronhense Laisy Francine Costa e Silva, de 19 anos, pelo primeiro filho. Como todas as gestantes do arquipélago pernambucano – que é um dos principais destinos turísticos do Brasil, santuário ecológico e Patrimônio Natural da Humanidade, segundo a Unesco –, ela precisa sair de casa no sétimo mês de gestação para dar à luz em Recife, a 545 km de distância.
Em 2004, foi desativada a única maternidade na ilha, no Hospital São Lucas, sob a justificativa de que o custo de manutenção da estrutura era alto demais para a média de 40 partos por ano realizados na ilha principal, a única habitada. Há 10 anos, no entanto, o impedimento causa indignação entre os moradores, que falam em "violação do direito de nascer".
Agora, o documentário Ninguém nasce no paraíso, do brasiliense Alan Schvarsberg, conta a história de mães insatisfeitas com a situação. Ele descobriu o tema quando ministrava uma oficina de videoativismo em Noronha há dois anos.
"Estávamos falando sobre temas que eles queria abordar e a proibição do parto foi a que mais apareceu. Mulheres e homens diziam que queriam falar sobre isso, mas que tinham receio de falar", diz.
"O ruim é que você sai da sua casa", disse à BBC Brasil Monique Souza, de 27 anos, que teve sua primeira filha em 2013 e é uma das entrevistadas no documentário. "Tenho uma casa em Recife, mas meu marido ficou (em Noronha). Tenho um irmão especial e minha mãe teve que deixá-lo lá. E ainda tivemos que sustentar duas casas durante esse tempo."
Por lei, não há proibição formal para o nascimento de crianças em Fernando de Noronha. No entanto, a Coordenadoria de Saúde do arquipélago, que tem sede em Recife, se encarrega de fazer com que as mães deixem o local a partir da 34ª semana de gestação – mesmo que seja preciso insistir.
"Tinha umas 40 mulheres grávidas aqui na época e umas quatro iam dar à luz no mesmo período que eu. Elas me chamaram para pagar um médico para fazer o parto, mas depois as assistentes sociais me explicaram que não tem UTI, que se acontecesse algo, podia ser um problema", relembra Monique.
"Ouvi falar que chegaram a dizer a outras mães que a culpa seria delas, se o bebê tivesse complicações."
'Olhando para as paredes'
Em casos específicos, podem também receber hospedagem no hotel Uzi Praia durante todo o período na capital pernambucana, com três refeições e transporte para as consultas médicas. E seus partos são feitos do IMIP, hospital de referência em pediatria na capital.De acordo com a coordenadoria de saúde da ilha, as gestantes fazem pré-Natal pela rede pública em Noronha até o sétimo mês de gravidez e, depois, são encaminhadas para Recife. Todas têm suas passagens de ida e volta – incluindo um acompanhante – pagas. O voo dura 1 hora e 20 minutos.
Nem todas as mães, no entanto, se dizem satisfeitas com as condições.
Quando teve o primeiro filho, em 2011, Silvia Souza da Silva, de 22 anos, diz não ter recebido assistência apropriada. "Eles só me deram a passagem e marcaram para eu ir numa clínica. O médico entrou mudo e saiu calado. Tive meu filho em outro hospital porque uma amiga da minha família fez meu parto."
"No meu segundo filho (nascido há cerca de três meses), exigi o hotel porque soube que outras pessoas tinham ficado lá. Se você não exigir seus direitos, eles não dão assistência a você."
Uma das queixas mais comuns entre as mães é a solidão e a falta de opções de lazer durante a espera pelo nascimento do bebê – especialmente quando não se tem tanto dinheiro.
"A gente ia do hotel para o hospital e do hospital para o hotel. É difícil ficar dentro de um quarto olhando pra as paredes. Eu levei meu filho de 4 anos, e para ele também foi difícil. Aqui em Noronha ele brinca no quintal, pode correr. Lá, só podia ficar no quarto", relembra Silvia.
'Falta de recursos'
Para Marilde Martins da Costa, de 59 anos, que cumpre seu terceiro mandato no Conselho de Noronha, o "problema é meramente político".
"Não justifica termos uma parturiente ou duas em um mês, termos um voo saindo diariamente para Noronha e não podermos ter um médico que venha fazer um parto aqui e um anestesista. Eles viriam num dia e voltariam no outro", disse à BBC Brasil.
Segundo a coordenadora de saúde de Noronha, Fátima Souza, é inviável reabrir a maternidade em Noronha, principalmente por falta de recursos para sustentar a operação.
"Uma maternidade, para funcionar, precisa de toda uma estrutura. E nós temos, no máximo, 40 partos ano em Noronha. Não teria como manter essa estrutura e não teria pessoal suficiente", disse à BBC Brasil.
"Eu acredito que essas pessoas estão resguardadas de um problema maior. Porque deixar essas pessoas na ilha sem as condições para atendimento de alta complexidade, que a gente sabe que pode acontecer, é um complicador muito maior do que quaisquer transtornos por questões emocionais."
Mães como Monique (foto) reclamam de solidão e dificuldades financeiras durante período final da gestação, em Recife
Souza diz que, para manter a operação permanente da maternidade do Hospital São Lucas, o único da ilha, seriam necessários pelo menos R$ 150 mil reais mensais. Segundo dados da Coordenadoria de Saúde, a administração gastou cerca de R$ 76 mil só com as passagens de avião de ida e volta das 30 mulheres que tiveram filhos naquele ano e seus acompanhantes. Em 2015, até outubro, o gasto foi de R$ 82 mil.

0 comentários:

Postar um comentário

Top Ad 728x90