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sábado, 23 de abril de 2016

“Bela, recatada e do lar”: por que a expressão gerou tanta polêmica nas redes sociais?


Desde o início desta semana, a expressão “bela, recatada e do lar” tomou conta das redes sociaisem fotos e textos irônicos (alguns muitos bem-humorados) publicados no Facebook, no Instagram e no Twitter.  Os três adjetivos correspondem ao título da reportagem publicada pela revista Veja, apresentando Marcela Temer, mulher do vice-presidente, Michel Temer – e “quase primeira-dama” nas palavras da publicação.
A polêmica movimentou as timelines de mulheres (e mesmo homens) postando fotos em poses e situações engraçadas e debochadas, em contraponto aos termos “bela, recatada e do lar”. Também não faltaram longos textos questionando a escolha das palavras para descrever uma mulher.
Algumas personalidades falaram sobre escolha das palavras “bela, recatada e do lar” gerar tanta polêmica nas redes sociais.
Diana Corso, psicanalista e escritora:
“Acho que a pobre Marcela, que eu não conheço, tampouco li seu perfil na revista, acabou, pelas suas opções, que ela é livre para fazer, carregando com o ônus da onda de retrocesso na liberação de costumes, que esse movimento que coloca seu marido no poder que está esboçando. As declarações que foram feitas durante os votos eram declarações, em boa parte, do movimento da tradição de família e propriedade. Cada vez que a gente vive um retrocesso social, as mulheres (que são tratadas como minorias, embora sejamos metade da humanidade) sofrem restrições nos seus direitos tão arduamente adquiridos. Então essa reação à essa frase, essa trapalhada mal-intencionada da revista Veja, é uma reação feminista, que acaba até fazendo um certo bullying com a Marcela, que acaba arcando com isso. Porque é uma reação das mulheres em defesa dos direitos adquiridos ainda nada afirmados e longe do ideal, mas é uma espécie de grande brincadeira. E quando brincamos, dizemos coisas sérias. Que nós não queremos ser recatadas, não queremos ser tomadas em nossa beleza como objeto de posse ou de consumo, e muito menos queremos ficar presas em nosso lar sem poder ter vida pública. Então, a existência dessa mulher, que é, digamos, um bem privado de um homem público (assim pelo menos ela foi pintada para opinião pública, talvez ela nem seja isso) nos coloca frente àquilo que temos lutado para não ter mais que ser. Queremos ter um lar, mas não ser do lar. Queremos ser recatadas quando bem entendermos e assim desejarmos. E caso não sejamos recatadas, queremos o direito de não sermos estupradas. Queremos ser belas, sim, mas do nosso jeito, não como uma boneca inflável.”
Nana Queiroz, jornalista e criadora do movimento Eu Não Mereço Ser Estuprada:
“O protesto #belarecatada e do lar não ‘e contra mulheres que tomam a opcao de viver uma vida tradicional, ‘e contra a ideia de que apenas esse tipo de mulher tem valor.”
Claudia Tajes, escritora:
Não haveria nada de errado com a descrição se ela estivesse nas páginas de uma revista do início do século passado, A Noiva Sonhadora ou o Magazine da Dona de Casa Feliz, por exemplo. Ninguém estranharia porque as mulheres ainda eram, no mais das vezes, tratadas como propriedade do pai ou do marido, sem direito de expressão ou o respeito que qualquer cidadão merece. Mas um mundo que só fala no empoderamento feminino e seus derivados só pode debochar ao ver uma guria de 30 anos ser retratada desse jeito. Coitada dela, que também deve ter odiado tudo isso.”
Estela Rocha, fundadora do projeto Empoderamento da Mulher:
“Acredito que dentro de recortes sociais e geográficos bem específicos, que nos limitam, estamos em um momento em que os feminismos se convergem para uma liberdade do ser mulher em todos os aspectos. Não estamos mais dispostas a aceitar modelos pré-definidos que nos limitam e nos ferem. Não queremos mais nos encaixotar dentro de estereótipos do que serve e não serve para a sociedade. Simplesmente porque sabemos que somos parte atuante da sociedade. Então, quando alguém escreve que uma pessoa pública é “bela, recatada e do lar” e enaltece isto, está de novo nos condicionando a acreditar que o que é bom é algo que nos submete. Não é um problema quando a pessoa quer ser bonita, ou quer ser recatada, ou ser do lar. Estamos em uma época em que queremos a liberdade: para ser dona de casa, para ser mãe, para não ser mãe, para ser prostituta, para ser uma trans… Quando postamos essa hashtag, não estamos criticando a Marcela ou a mulher que quer ser dona do lar, o que criticamos é o padrão que eles querem que seja estabelecido como o de uma mulher perfeita. A gente consegue hoje, dentro da internet, ter uma liberdade, mas a mídia tradicional supervaloriza coisas relacionadas à mulher de 1950. E a gente rejeita qualquer rótulo parecido com este. O que quero dizer é que, ao passo em que estamos em uma onda de libertação e respeito aos vários tipos de mulher, vem o passo negativo que foi a matéria. Mas temos também o passo positivo dessas mulheres livres que vão para a internet e mostram que podemos ser donas do nosso futuro e do nosso presente. Não estamos criticando a Marcela, mas uma matéria enaltecendo um modelo de submissão feminino.”
Nana Soares, jornalista e cocriadora da campanha contra o abuso sexual no metrô de São Paulo:
“Essa manchete parou no século 19, então nada mais natural e positivo do que as mulheres mostrarem para a revista (e para a sociedade) que estamos no século 21 e que o valor da mulher não pode estar associado ao recato, ao âmbito privado e a uma moral muito antiga. No dia a dia, percebemos, sim, que há um forte resquício desse pensamento. Ele se manifesta quando somos culpabilizadas por assédios e estupros, quando somos silenciadas em diversas situações. Mas se tem uma coisa que o movimento mostrou foi que nós não vamos aceitar mais sermos julgadas com base nisso e que as mulheres são (ou devem ser) tão livres quanto os homens.”

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