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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Visão de um português sobre Brasil x Argentina

Esse texto é do colunista português João Almeida Moreira que mora no Brasil

A plateia que lota a sala num teatro perto de Córdoba, na Argentina, ri-se. No palco, uma atriz interpreta o que no Brasil se chama “Maria Chuteira”, ou seja, uma jovem que quer à força casar com um futebolista rico. 
“Estudar? Jamais! Eu quero é um ponta-de-lança que me salve, que me leve para morar em Marbella ou no Dubai.” A mãe da Maria Chuteira censura-a. Mas sente culpa. Afinal, como assume no fim da peça, pode ser ela a causadora dos desatinos da filha: ela, a filha, não sabe mas é fruto de uma relação da mãe com Pelé. É por causa deste inusitado desfecho (e não só, como se verá à frente) que a plateia ri.
Não adianta: na Argentina fala-se do Brasil, quinto maior país do mundo, no Brasil fala-se na Argentina, oitavo maior país do mundo. Comparam-se a economia, de que trata esta coluna, as artes, como o cinema (aqui), e o futebol, tratado como arte nos dois países.
A rivalidade no futebol é meio fabricada: por tradição, os argentinos sentiam-na apenas com os também vizinhos Uruguai e Chile (e, por ódio político recente, com a Inglaterra).
Já o Brasil nunca teve um rival – a não ser talvez os fantasmas do próprio Brasil – nem por tradição nem por política. Mas como sem antagonista as histórias ficam coxas, a Rede Globo tratou de aproveitar a Era Maradona para atribuir à Argentina esse papel. Galvão Bueno, o narrador oficial da seleção na Globo, lançou o bordão “ganhar é bom, ganhar da Argentina é bom demais”, e estava dado o pontapé de saída.

Mas como é de economia que trata esta coluna, comparemo-las. Com foco nos últimos 30 anos, isto é, no pós-ditaduras e numa altura em que os ventos internacionais deixaram de soprar a favor da América do Sul e destaparam as debilidaPrimeiro, o rendimento da população. Em 1983, o PIB per capita do Brasil não chegava a um terço do da Argentina. Em 2013 está a escassos cinco pontos percentuais de distância.
No desempenho dos países, tendo em conta que a economia do Brasil (país de 200 milhões de habitantes) sempre foi necessariamente maior do que a da Argentina (40 milhões), há 30 anos, por cada 100 dólares produzidos em solo brasileiro, produziam-se 71 em solo argentino – agora a diferença é de abissais 100 para 22.
Mas o estado da economia, com mais ou menos dores, inverte-se numa geração. O mais sério são os números do que está na origem dela e de tudo: a educação.
Nos anos 50, a Argentina destacava-se de todos os vizinhos do subcontinente com taxas de analfabetismo abaixo dos 10% – o Brasil só baixou dessa marca nas avaliações de 2011. E até aos anos 60, os argentinos orgulhavam-se de ter conquistado três Prémios Nobel em áreas científicas contra zero em todas as áreas do vizinho (até hoje).
Ora, no último PISA, exame internacional que compara o desempenho de alunos de 15 anos, a Argentina ficou classificada abaixo do Brasil em áreas estruturais como a Matemática e a Leitura. Ficou na dianteira em Ciência, por pouco. Em 1999, ano do primeiro PISA, os argentinos estavam à frente do parceiro lusófono com folga. E segundo os números não foi o Brasil que ultrapassou a Argentina mas esta que piorou os seus resultados.
As explicações para a decadência serão complexas e interdependentes. Mas há quem aponte como causa a montanha-russa permanente em que vivem os argentinos, de picos de prosperidade a riscos de colapso constantes. Nestes últimos 30 anos, a Argentina conseguiu ser, a espaços, muito mais neoliberal do que o Brasil e ao mesmo tempo ter momentos, como o presente, em que resvalou para um bolivarianismo decadente de braço dado com o regime a cair de maduro da Venezuela.des das suas duas principais forças.Enquanto o Brasil foi navegando suavemente nas duas ondas sem se molhar, a Argentina mergulhou de cabeça numa política e na sua contrária. Um país é mais moderado, o outro mais radical, talvez à imagem dos seus ex-colonizadores ibéricos. E a personalidade das duas mulheres que conduzem o destino das potências é disso reflexo – de Dilma Rousseff adivinha-se sempre o próximo passo, Cristina Kirchner é um furacão imprevisível.
Tão imprevisível como o desfecho daquela peça de teatro acima. A Maria Chuteira, branca como a cal, afinal era filha de Pelé. Mas o que fez a plateia rir não foi só isso. A atriz que a interpretava chama-se Dalma Maradona e é filha do divinal ex-jogador. Que, com um radicalismo à argentina, quando questionado sobre o desfecho da peça, anunciou simplesmente que vai matar o autor.  



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